Geopolítica e Patrimônio
- Dirceu Cadena de Melo Filho
- 5 de set. de 2018
- 3 min de leitura
Doutor em Geografia - UFRJ
Em outubro de 2017 o governo americano deliberou por se retirar da UNESCO como um Estado-Membro da instituição. A controversa decisão só entrará em vigor no final de 2018, mas as repercussões foram intensas, com menções de apoio e de repúdio por diversas nações. Quais razões levaram o governo Trump a sair do órgão da ONU responsável pela Educação, Ciência e Cultura? O que essa decisão representa para a política do patrimônio mundial, atividade de maior reconhecimento da UNESCO? Como a geografia pode pensar essa situação?
O anúncio da saída do governo americano se deu logo após o reconhecimento da Cidade Antiga de Hebron, Cisjordânia, e do túmulo dos patriarcas, como patrimônio mundial pertencente ao território Palestino. Alegando um viés anti-israelense na instituição, o governo Trump optou por se retirar da UNESCO em protesto contra decisões que auxiliam a Palestina em sua busca por reconhecimento como Estado autônomo e outras que criticam ações militares e políticas israelenses.
Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Em 1984, durante o governo Reagan, os Estados Unidos se retiraram da organização, por considerar que a instituição global adotou ações “antiocidentais” em favorecimento da URSS. Após o retorno em 2002, durante o governo Bush e sua busca por maior cooperação internacional, o governo Obama cancelou os financiamentos da instituição em 2011 com o reconhecimento da Palestina como Estado-Membro da UNESCO.
Além do apoio a Israel, a saída do governo Trump da UNESCO, seguindo um padrão de anúncios de saída do governo americano de organizações internacionais (Parceria Trans-Pacífica; Acordo do Clima de Paris; além de ameaças contra a participação americana na OTAN e no NAFTA), também ocorre pelos elevados débitos que o governo americano possui desde 2011. Com o reconhecimento Palestino como Estado-Membro, uma legislação americana de 1990 proíbe o financiamento da UNESCO, o que elevou a dívida do Estado junto à organização em mais de US$ 500 milhões.
Essa decisão dos EUA é a mais drástica desde 1984, já que o Estado pode perder seu status de Estado-Membro de uma reconhecida organização internacional. Os efeitos, porém, podem ser mais graves para a política do patrimônio mundial, que perde em efetivo seu principal financiador (os investimentos americanos representavam até 2011 22% de todo orçamento da organização), além de ter sua credibilidade na esfera internacional contestada. Como se observou em relação a outros tratados, um efeito dominó pode ocorrer com a saída de outros países da instituição.
Para a geografia, e em especial para a geografia política, o caso serve como exemplo para considerar as formas como o patrimônio foi utilizado como um fator geopolítico: Uma forma de um país exercer seu soft power em relação a outros grupos de países. Da mesma maneira, as ações mostram como a política de patrimônio mundial pode ser utilizada para a construção de discursos e representações sobre determinadas instituições e territórios, criando uma imagem que atende a princípios que justificam ações internacionais. Se em 1984, no auge da Guerra-Fria o governo Reagan utilizou a UNESCO para fundamentar o sentimento anti-URSS, no governo Bush, a UNESCO e a política de patrimônio foram caminhos para fortalecer a imagem americana perante o mundo.
Não apenas os Majors Players utilizam o valor simbólico do patrimônio mundial como um fator geopolítico. O Brasil, em 2009, buscou ampliar sua influência no atlântico sul e na África ao atuar efetivamente na inscrição da Cidade Velha de Ribeira Grande, em Cabo Verde, na Lista do Patrimônio Mundial. No mesmo exemplo, o país insular africano utilizou do patrimônio para se afirmar como um importante Estado entre os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e fortalecer suas instituições nacionais envolvidas com patrimônio.
Resta a geografia observar essas ações envolvendo o patrimônio mundial para além de seu princípio locacional, analisando os efeitos na ordem espacial da construção de representações de territórios; nas regiões de influência de cada país; e na estruturação das instituições responsáveis por modificar o território nacional através do patrimônio.
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