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Esfera pública e a opinião pública: política se faz nas ruas (e nas redes)

  • Tatiana Lemos dos Santos Borges
  • 24 de jun. de 2020
  • 3 min de leitura

Doutoranda em Geografia - UFRJ

Pesquisadora do GEOPPOL

Nos últimos meses o avanço da Covid-19 mudou completamente o cotidiano nas grandes metrópoles mundiais. Não pensávamos na possibilidade de isolamento e alarmavam notícias a respeito dos efeitos das novas mídias. O período de isolamento tem sido uma aula de política nos nossos tempos: estamos o tempo todo conectados, manifestações no mundo todo tem ocorrido de forma intensa (apesar dos riscos da doença) e a mídia tradicional ganha fôlego ao utilizar as novas redes sociais.

Em meio a uma pandemia sem precedentes no mundo globalizado, nos deparamos com discussões a respeito da propagação de Fake News, de como nos informamos e formamos nossa opinião. Após emergência dos meios de comunicação de massa, no século XIX, observamos grandes mudanças nos mecanismos de formação da opinião pública, se antes estavam atrelados aos encontros coletivos, às praças públicas, o surgimento de jornais e posteriormente do rádio e da televisão possibilitaram a construção da opinião pública de dentro de nossas casas. Para Habermas (1984), esse processo levou à mudança estrutural da esfera pública, fazendo com que os espaços de encontro perdessem a centralidade na formação da opinião da população, para o autor, essa nova esfera pública buscaria defender os interesses dos donos de meios de comunicação.

O surgimento das mídias sociais não foi diferente, com a ascensão dos fóruns de discussão online (Facebook, Twitter, Whats App) alarmou-se, novamente, o declínio do espaço. Ao mesmo tempo, as novas mídias foram defendidas como “espaços” do pensar e agir democraticamente, uma vez que garantiriam voz aos que não participavam do debate público tradicional. A chegada ao poder de políticos blogueiros – como Trump e Bolsonaro - que utilizaram intensamente a Big Data e as redes sociais como meio de propagação de suas ideias, ou mesmo a ascensão do movimento “5 estrelas” (Itália), nos faz acreditar na efetividade dos novos mecanismos de mobilização. Agora, a política seria feita pelas redes, o espaço sofreria as consequências dessa mudança e a mídia tradicional desapareceria em breve.

O período de isolamento social apresenta um novo fator para a complexa equação política dos nossos tempos. Rapidamente, a mídia tradicional voltou a ser a principal fonte de informação da população, que de acordo com a pesquisa Datafolha de 9 de abril, acredita estar bem informada, principalmente pela Televisão. Os fóruns de discussão online passaram a reproduzir uma série de temas e debates das mídias tradicionais, a população busca as ruas como palco para suas reivindicações (mesmo com a recomendação de isolamento) e as redes sociais voltam a ser destaque na formação da opinião pública.

No último sábado, o presidente dos E.U.A, Donald Trump, em busca da reeleição, participou de um comício de campanha com a expectativa de receber um grande público. O comício foi um fiasco. Aparentemente, usuários de redes sociais se organizaram para confirmar um grande número de participantes no evento, mas não compareceram, era uma “pegadinha”. As imagens são marcantes e mostram o poder de mobilização – ou desmobilização – das redes sociais.

Figura 1 - Várias cadeiras ficaram vazios no comício de Trump em Tulsa neste sábado (20) — Foto: Nicholas Kamm / AFP

De fato, a opinião pública se forma na troca, inclusive pelas redes, mas a ação política necessita de espaço, concretude. Mesmo no caso de Trump, a ação política se concretizou no espaço.

Cada vez mais percebemos as possibilidades de utilização das novas tecnologias de informação para a formação da opinião pública. Ao mesmo tempo, o espaço continua sendo essencial para a organização e mobilização política. Então, assim como o surgimento dos meios de comunicação em massa não reduziram a importância dos espaços físicos de debates, as redes sociais também não têm decretado o fim da relação política/espaço. Talvez, mais importante seja perceber como os debates saem das redes e se materializam nos diversos espaços políticos e como a imprensa tradicional tem aprendido a mobilizar e participar dos debates online.

Por fim, se o mundo pós Covid-19 é imprevisível, duas certezas nos restam. A primeira é de que as redes são essenciais para entender nosso mundo, elas nos conectam, moldam nossas opiniões e nos tornam cada vez mais próximos – mesmo que no mundo privado. A segunda é que sentimos falta das Cinelândias, das Avenida Paulistas, dos Marcos Zeros, enfim, do espaço, porque a pressão política se faz na rua, no concreto.

Referências:

HABERMANS, J. The theory of communicative action. Vol 1. Reason and the rationalizalion of society. Boston, Beacon Press, 1984.

Usuários do TikTok e fãs de K-pop dizem que agiram para esvaziar comício de Trump. G1, 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/06/21/usuarios-do-tiktok-afirmam-que-inflaram-numero-de-presenca-em-comicio-de-trump.ghtml

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