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As eleições municipais e as escalas da política

  • Iná Elias de Castro
  • 21 de out. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 24 de out. de 2020

Professora Titular do PPGG/UFRJ, Pesquisadora 1A - CNPq, Cientista do Nosso Estado - Faperj


Os gregos já afirmavam que quando o tamanho muda, as coisas mudam... O mesmo raciocínio pode ser aplicado para as eleições que ocorrerão em novembro de 2020. O que essas eleições têm de particular é a escala em que ocorrem. Apesar de no país todos viverem e votarem no município há enorme diferença em relação à direção do voto, ou seja, para qual escala o eleitor está definindo seus problemas e escolhendo seu candidato. Temos a prerrogativa de eleger os representantes do poder legislativo e o poder executivo dos três níveis da federação: nacional, estadual e municipal. Em cada uma dessas escalas os debates e os desafios dos candidatos são bem diferentes. Apesar de o sistema político ser o mesmo e as possibilidades de alianças e coligações também, as coisas mudam quando o tamanho muda.

Desde as eleições de 2018, a polarização entre esquerda e direita, a primeira encarnada no PT e a segunda no candidato Jair Bolsonaro, tem se aprofundado com a vitória do capitão. Neste ano de 2020 há expectativas entre candidatos e eleitores de que a polarização se reproduza. Mas será mesmo assim? O que a escala municipal tem de diferente?

Cada eleição coloca o eleitor diante da possibilidade de escolha de candidatos que correspondam a, pelo menos, algumas das suas expectativas. Num sistema federativo, as demandas dos eleitores e as promessas dos candidatos variam conforme o recorte territorial da escala da política. Tomando os dois extremos, temos na escala nacional promessas de incentivo ao crescimento da economia, à geração de empregos, de manter a estabilidade da moeda, respeitar os contratos firmados e as instituições como centrais aos debates. No município, as questões que interessam ao eleitor são aquelas que afetam diretamente o seu cotidiano, o seu local de moradia e de circulação: o buraco na rua, o preço do transporte público, a limpeza urbana, a qualidade do atendimento nos postos de saúde e nos hospitais públicos, o acesso à escola pública e tudo mais que afete de modo mais direto sua qualidade de vida. A segurança pública é um problema recorrente, mas isso o prefeito tem pouco a fazer, assim como os vereadores. Mas não faltam promessas de melhorar a iluminação das ruas e melhorar o monitoramento do trânsito com câmeras de vigilância.

As eleições de 2020 trazem algumas inovações com consequências que serão mais bem avaliadas no futuro. Com a proibição das coligações em eleições proporcionais, cada partido lançou mais candidatos, o que torna a escolha do eleitor ainda mais penosa: no Rio de Janeiro são 14 candidatos para prefeito e 1.804 para vereador, num total de 33 partidos. Como consequência esta é a eleição mais fragmentada em 20 anos* Paralelamente, com a obrigatoriedade de repartir os recursos do fundo partidário igualmente entre mulheres e negros, aumentou a possibilidade de que esta parcela do eleitorado tenha mais representação.

E a polarização que ocorreu nas eleições nacionais/estaduais de 2018, poderá se repetir? O presidente Bolsonaro terá a mesma capacidade de arrasto que teve na sua eleição em 2018? A suposição aqui é que não, dado as especificidades da escala local. Esta é a escala da proximidade, do lugar, dos espaços de dependência das arenas dos interesses sociais imediatos em oposição aos espaços de engajamento com outros atores e ideias que na política correspondem àqueles das redes mais amplas de interesses, que podem ser regionais ou nacionais**. Este é um fenômeno recorrente, desde o período de centralização autoritária, quando o bipartidarismo no plano nacional era nuançado nos municípios. A questão então é: quantos prefeitos serão eleitos pelo bolsonarismo em oposição aos candidatos do PT?

Os casos do Rio de Janeiro e de São Paulo são emblemáticos: no primeiro, a disputa mais evidente se faz entre o atual prefeito Crivella (Republicanos), cuja gestão é muito mal avaliada pelos eleitores, mas que se apega ao apoio do presidente e de sua família, mesmo que discreto, e o ex-prefeito Eduardo Paes (Democratas) que lidera as intenções de votos, que não se coloca contra nem a favor ao governo federal. A candidata do PT, Benedita da Silva, bem conhecida do eleitorado carioca, amarga intenções de voto de um dígito. Em São Paulo, onde o PT é mais forte, a disputa se faz entre o atual prefeito Bruno Covas (PSDB), apoiado pelo governador João Dória, desafeto do Presidente Bolsonaro, e o candidato Celso Russomano (Republicanos), com apoio presidencial declarado. Por enquanto, o candidato do bolsonarismo lidera as intenções de voto, embora por margem pequena. O candidato do PT Jilmar Tatto amarga menos de 5% de intenções de voto segundo tradicionais institutos de pesquisa. Outro candidato da esquerda Guilherme Boulos (PSOL) disputa a ida ao segundo turno com 13% de intenções de voto.

A ideia de que esta seria uma eleição plebiscitária a testar a capilaridade do voto bolsonarista não considera a questão fundamental da escala na política em geral e nos processos eleitorais em particular. Como a escala é a medida escolhida para conferir visibilidade ao fenômeno, são nas injunções da proximidade e do cotidiano do lugar que devem ser procuradas as motivações do voto neste ou naquele candidato e estas mudam segundo o lugar a ser ocupado pelo eleito: legislativo ou executivo nacional, estadual ou municipal. Porém, como desde as eleições de 2018 muitos padrões de alianças e de votos conhecidos foram subvertidos, há que acompanhar de que modo os apoios declarados do Presidente da República e as disputas locais se comportam. As redes sociais e o enfraquecimento do PT são ingredientes a serem considerados. Apenas uma certeza na análise da geografia eleitoral das eleições 2020: ninguém se queixará de monotonia.


**Cox,R.K. Spaces of dependence, spaces of engagement and the politics of scale, or, looking for local politics. Political Geography, 17, 1998, 1-24.

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